
O “Messenger”, a nova forma de evangelizar
Enquanto Zuckerberg quer dar-te uma “superinteligência pessoal”, há quem continue a usar tecnologia para evangelizar povos que nem sequer têm contacto regular com o mundo exterior.
Há missionários cristãos a utilizar dispositivos de áudio alimentados por energia solar para evangelizar comunidades indígenas isoladas ou recentemente contactadas na Amazónia brasileira.
Segundo uma investigação conjunta do The Guardian e do jornal O Globo, os aparelhos foram deixados no Vale do Javari, perto da fronteira com o Peru, e reproduzem leituras bíblicas em português e espanhol.
O Vale do Javari é conhecido por abrigar a maior concentração de povos isolados do mundo e, desde 1987, é proibido entrar nesta região sem autorização da FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil). Isto é justamente para proteger essas populações vulneráveis.
Dispositivos surgem em aldeias recentemente contactadas
Apesar da proibição, vários moradores relataram ter encontrado até sete destes dispositivos na região.
A investigação teve acesso a provas visuais de apenas um deles: um aparelho de tamanho semelhante a um telemóvel, com partes amarelas e cinzentas, deixado numa aldeia do povo Korubo.
Este é um grupo indígena recentemente contactado e historicamente conhecido pelo uso de bastões de guerra.
Segundo o relatório, o dispositivo está agora na posse de uma mulher Korubo chamada Mayá. Os áudios são falados por um missionário batista americano.

A organização por detrás dos aparelhos: In Touch Ministries
O aparelho chama-se “Messenger” e é distribuído pela organização religiosa In Touch Ministries, que afirma doá-lo a “povos não alcançados” em várias partes do mundo.
No seu site, a organização descreve o dispositivo como uma ferramenta para tornar a mensagem da salvação acessível a quem nunca a ouviu.
O diretor de operações da organização, Seth Grey, afirmou ao The Guardian que está ciente de que missionários de outras organizações levam os dispositivos para regiões onde é ilegal fazê-lo, mas garantiu:
“Nós [da In Touch] não vamos a lugar nenhum onde não somos autorizados.”
Riscos de saúde e violações legais
O contacto com povos isolados representa riscos sérios à saúde, uma vez que estas comunidades não têm imunidade a muitas doenças comuns. Mesmo sem contacto físico direto, deixar objetos externos já é considerado uma violação da política pública brasileira, que visa não estabelecer qualquer forma de contacto com estas populações.
A presença destes dispositivos levanta preocupações éticas, sanitárias e legais, além de reabrir o debate sobre a atuação de grupos religiosos estrangeiros em territórios protegidos.