Durante um terrível incêndio de 4 dias no palácio espanhol Real Alcázar de Madrid, em 1734, cerca de 500 pinturas históricas foram destruídas. Entre elas estava a icónica "Expulsão dos Moriscos", pintada por Diego Velázquez em 1627. Agora, quase três séculos depois, um artista conseguiu recriar perfeitamente a obra com a utilização de Inteligência Artificial.
A primeira etapa foi reunir informações históricas sobre a obra
Radicado em Madrid, o artista Fernando Sánchez Castillo é conhecido pelo seu trabalho multimédia que procura interrogar a história e o poder. No início deste ano, Castillo expôs um vídeo no qual recria a pintura perdida de Velázquez. Durante os 4 minutos do vídeo, um quadro branco transforma-se na obra, da qual, até então, restavam apenas descrições e esboços.
"Com base em textos e pesquisa de Antonio Palomino e William Jordan, o artista recria a sua versão da obra "A expulsão dos mouros" de Velázquez. Queimado no incêndio de 1734 no Alcázar Real de Madrid, restam apenas algumas descrições e um esboço do retrato de Felipe III recentemente encontrado. Os seus protagonistas habitam entre nós como fantasmas do imaginário velazquiano", descreve a legenda que acompanha o vídeo numa publicação no Instagram.
Conforme citado acima, além da IA, Castillo precisou recorrer a recursos históricos, como a descrição detalhada da pintura que o historiador e artista Antonio Palomino escreveu antes do incêndio. A essa descrição, o artista uniu um esboço preliminar que Velázquez fez para a Expulsão dos Moriscos, encontrado numa casa de leilões de Londres em 1988 pelo historiador de arte espanhol William Jordan.
O Midjourney foi a primeira IA utilizada
A partir daí, Castillo uniu-se a Paula García, uma estudiosa de IA que trabalha com design de videojogos. Eles utilizaram todo o material apurado e outras pinturas barrocas para construir um prompt detalhado para a ferramenta de IA Midjourney, conforme noticiado pelo El País. Mesmo após todo o trabalho pré-IA, alcançar o resultado final ainda exigiu grande dedicação dos dois artistas.
“Quanto mais preciso for o prompt, melhor funcionará. Se fores vago, como dizer 'alegoria de Espanha' para a nossa pintura, verás bandeiras espanholas aparecerem na tela. É um trabalho demorado que requer paciência. Avanças, voltas, verificas as imagens da internet e depois avanças novamente”, disse García ao El País, descrevendo a experiência com a IA como “ter um exército de aprendizes”.
A ferramenta de IA do Photoshop finalizou a obra
Com o trabalho no Midjourney, Castillo e García obtiveram os blocos de construção para sua interpretação. O passo seguinte foi utilizar o recurso de IA de preenchimento generativo do Adobe Photoshop para concluir o trabalho. Para a dupla, a obra de arte resultante é cerca de 80% de “criação artística” e 20% de IA, conforme disseram ao El País.
Parte da última exposição individual do artista Contra-informações, a obra de Velázquez retrata a ordem de Filipe III de expulsar da Espanha os Moriscos, muçulmanos que se converteram ao cristianismo.
Há alguns meses, milhares de artistas levantaram preocupações sobre a utilização dos seus trabalhos para treinar o Midjourney. Na mesma época, a IA foi utilizada para "completar" a obra Pintura Inacabada (1989) de Keith Haring, iniciativa amplamente criticada, uma vez que o artista deixou o quadro inacabado como comentário sobre a epidemia de HIV.
Contudo, a IA vem sendo utilizada também para reimaginar e recriar obras perdidas ou danificadas. A existência das duas situações põe em discussão novamente a necessidade de leis específicas para a utilização da IA nos mais diferentes campos.